9.11.15

Eu chorei no domingo, na segunda, na terça, em várias partes do dia e da noite, um choro de quem pede clemência, de quem está sendo confrontado com a morte, eu estava abandonando uma vida que não teria mais, eu sofria minha própria despedida, morte e parto, eu tinha que renascer e não queria, não quero, sinto que caí num vácuo, perdi a parte boa da minha história, e não quero outra, enquanto choro penso que se alguém me visse chorar dessa maneira me salvaria, prestaria socorro, chamaria uma ambulância.

Acho que nunca mais e isso me apavora, o "nunca mais" que me persegue desde o momento em que acordo e que me dá medo e me faz voltar a ser criança, medo de nunca mais viver o que vivi, sentir o que senti, medo de não conseguir aguentar viver sem você e o medo maior de todos, que é o de enlouquecer, porque o que me resta de sanidade me avisa: estou pirando, eu sei. Esse final de amor me roubou o juízo, eu era uma mulher consciente, eu não perdia o chão desse jeito, eu já sofri outras vezes, mas sofria com mais discernimento, sem essa vertigem que faz parecer que a queda não tem fim e que não vou acordar tão cedo.

Todas as noites eu rezo pra Deus pedindo desculpas pelo sofrimento mesquinho, menor. Tanta mãe que perdeu filho, tanto trabalhador que perdeu casa em enchente, tanto jovem que perdeu braço, perna, tanto cego e tanto pobre, tanta criança pedindo esmola de pés descalços, tanto desempregado humilhado, tanta gente pedindo dinheiro emprestado para não ter a luz cortada, tanta mulher que foi deixada depois de 20 anos de credulidade no amor e que ficou com os três filhos pra criar, pra sustentar, pra explicar, tanta gente chegando aos 70, aos 80, olhando pra trás e não vendo sentido em nada do que foi vivido, se deparando com o tempo desperdiçado, e mesmo assim eu rezo e ocupo ainda mais a agenda do Senhor por causa de um traste que me trocou por outra sem me deixar aleijada ou sem teto, apenas me deixou, apenas me deixou, apenas isso. Pai de todos, tão atarefado e ainda tendo que se ocupar comigo, logo eu que nunca lhe dei crédito antes, pecadora por desprezo e falta, eu que nunca precisei, mas que agora ajoelho e imploro por benção: Deus, Pai, Senhor, seja você quem for, tire esse homem do centro das minhas atenções.

Preciso que saiba: nunca deixarei de pensar em você, porque você foi o amor menos elaborado que tive, menos politicamente correto, menos "O cara certo no momento certo", menos criado no cativeiro da idealização, e essa impossibilidade de intelectualizar o que senti me faz pensar que talvez eu não estivesse enganada sobre aquela ideia romântica de que só se ama assim uma vez.

8.10.13

O tempo não pára

É importante, num determinado momento da vida, excluir tudo que te faz mal, que não acrescenta, que não serve pra nada. A loucura tem seu charme, mas é inútil. Eu tenho pena da loucura. Tem gente que vive achando que o tempo espera, que o tempo dá tempo, ainda não perceberam que o tempo não pára, que a Terra gira e que é impossível querer controlar isso. É impossível querer controlar qualquer coisa que não seja você mesmo. Controle-se, é o conselho que eu daria pra essa gente meio alienada. Já faz tempo que eu adotei uma técnica de sobrevivência maravilhosa, chama-se "Foda-se o julgamento alheio". E eu tenho sido tão feliz desde então! Eu nunca estive e continuo não estando aí pro pensamento alheio, é pura irrelevância. Agora então, estou mais egoísta do que o natural. Agora, principalmente, o julgamento alheio é o que menos me importa. Descabele-se à vontade, eu não ligo. Tudo passará, porque, afinal, o tempo não pára.

21.9.13

As fotos que bati, do que não aconteceu.

Mesmo que um dia tu crie coragem e venha. Mesmo que um dia tu te resolva, te decida, me encontre. Mesmo assim não vai dar. Eu não vou mais conseguir fechar os meus olhos. Eu não vou mais conseguir fingir que não era nada. Hoje eu vi uma foto. Uma foto que tu jamais teria coragem de posar ao meu lado. Pelas circunstâncias, eu não sei, mas comigo sempre parece errado. Mesmo quando não é. E eu não vou conseguir conviver com isso. Não mais. Não posso mais me enganar: não era pra ser. Vamos aceitar.

27.8.13

Quem inventou o amor?
Me explica por favor
Enquanto a vida vai e vem
Você procura achar alguém
Que um dia possa lhe dizer
-Quero ficar só com você
Quem inventou o amor?

26.8.13

mãe

Mãe, eu sei que tu sofreu bastante quando tava grávida de mim e sei também que um monte de gente duvidou da tua pouca idade pra ser mãe, um monte de gente achou que tu não ia dar conta, que tu não ia conseguir. E hoje eu achei que deveria vir aqui dizer pra ti e pra todo mundo que duvidou de ti, que tu conseguiu. Que tu deu conta, mãe. Que tu desempenhou e desempenha até hoje um maravilhoso papel. Parabéns, mãe. Eu quero te agradecer por sempre confiar tanto e tão apaixonadamente em mim. Obrigada por me apoiar em cada decisão que eu tomei até hoje, como quando eu quis pintar o cabelo de rosa ou quando eu fiz minha primeira tatuagem, obrigada por permitir que eu escolhesse sobre o meu corpo. Obrigada, mãe, por, principalmente, nunca me julgar. Acho que deve ser por isso que eu não tolero julgamentos de qualquer tipo, porque tu me ensinou com teu exemplo, não me julgando nunca. Obrigada por me permitir ser quem eu queria ser, obrigada por me deixar escolher quem ser. Muito obrigada por me aceitar do jeito que eu sou. E eu escolhi ser bem parecida contigo. Quando crescer eu quero ser igual a ti, mãe. Quando crescer eu quero dar conta de tudo como tu deu, eu quero ser tão maravilhosa como tu foi e continua sendo. Obrigada por me amar tão incondicionalmente. Eu te amo! Feliz dia das mães! (Porque todo dia é dia das mães)

23.8.13

Sobre umbigos, confiança, egoísmo

A vida é uma coisa engraçada, né? Incontrolável. Geniosa. Eu não podia imaginar, nem nos meus mais loucos devaneios. Eu sinto falta de antes, muito antes. Mas parece que assim é que ta certo. Confia na vida, dizia na carta. E eu to confiando. Confiar é só o que me resta. Eu não quero saber do que virá, o que vão pensar, o que vai acontecer, nada mais me importa. É tudo banal, nenhuma opinião vai me atingir. Pensem o que quiserem, eu não to nem aí, agora só me importa o meu umbigo. Estou completamente egoísta.


2.7.13

Cicatriz

Eu tenho um machucado no joelho direito.
Uma linha de sangue, pus e casquinhas de ferida.
Parece ridículo,
mas eu sei que essa dor toda só vai passar depois que o machucado cicatrizar.
Esse machucado foi teu último presente pra mim.
Dado num entardecer bucólico,
entre galhos quebrados e lixo.

Com nossos corações pulando no peito, querendo gritar.
Eu queria gritar,
de dor,
de ódio,
de tesão.
Mas não conseguia dizer nada.
Não conseguia racionalizar nada.
E terminei machucada.

Quando a noite caiu
eu reuni forças e juntei
minhas roupas e meus cacos pelo assoalho,
me fantasiei com indiferença,
acendi um cigarro
e soltei minhoquinhas de fumaça branca no ar úmido,
completamente úmido.
Tentei me manter calma,
quando a minha única vontade era abrir a porta,
sair correndo,
entrar na água e me afogar.
Meu coração pulava no peito. E eu queria gritar.

13.6.13

Fosse como fosse, lhe dava trabalho entender que dois adultos livres e sem passado, à margem dos preconceitos de uma sociedade fechada em si mesma, tivessem escolhido o risco dos amores proibidos. Ela lhe explicou: "Era seu gosto". Além disso, a clandestinidade compartilhada com um homem que nunca tinha sido seu por completo, e na qual mais de uma vez conheceram a explosão da felicidade, não lhe pareceu uma condição indesejável. Ao contrário: a vida lhe havia demonstrado que talvez fosse exemplar.

- García Márquez, O amor nos tempos do cólera

31.5.13

o ontem aconteceu e continuamos chorando debruçados sobre ele.
quando percebermos já será o amanhã. o amanhã virá, o amanhã está desmoronando sobre nossas cabeças enquanto choramos debruçados sobre o ontem. a figura do nosso hoje é uma confusão, um caos cronológico entre passados, presentes desembrulhados, sem futuros.
a vida, essa linha imaginária onde tentamos organizar o caos cronológico, a minha vida, a vida que eu tinha imaginado pra mim, eu estraguei. a única vida que me parecia passível de felicidade. me desculpe por mais isso também. depois da tormenta, sempre dizem que vem a calmaria. e eu nunca estive preparada pra calmaria. talvez seja isso, talvez eu pare de errar tanto se aceitar a calma. se aceitar os dias de sol comendo bergamota e tomando chimarrão sentada na grama, sem ficar esperando que o telefone toque e que seja você do outro lado. talvez eu deva deixar de te esperar. la la love you.

25.5.13

Pílulas de desconforto

Estão funcionando, sim. Nenhum problema em relação ao funcionamento. Mas causa um desconforto constante só em determinadas épocas, não sempre. Nessas épocas é como se ela ficasse latejando. Não num sentido profano, num sentido desconfortante. Não dói. Não coça. Apenas incomoda. Você não sente seu corpo falando com você o tempo todo, ele apenas está lá funcionando sem o seu conhecimento consciente. Mas nessas épocas determinadas é como se uma parte do meu copro ficasse gritando comigo o tempo inteiro, 24 horas por dia. Incessantemente me dizendo que existe, que está lá, me fazendo lembrar que sou mulher, como se eu pudesse me esquecer disso a qualquer momento, e a missão daquela parte do corpo fosse não permitir que eu esquecesse disso. Fica lá gritando dentro do meu cérebro como um apito incessante. E latejando. Um desconforto sem fim, que faz com que uma semana tenha o comprimento de 5 eras geológicas. Parece que nunca vai acabar. E então, de repente, antes que eu cometa uma atrocidade contra uma parte de mim, o apito se cala. E tudo volta a ficar silencioso e confortável novamente.

13.2.13


Me perco em devaneios tentando imaginar se tu gostarias da música que está tocando no rádio esquecido sobre uma cadeira de palha no canto de um boteco à beira-mar. Me abstraio do mundo caminhando lentamente entre as prateleiras do supermercado procurando coisas que eu sei que gostas. Passo horas olhando o horizonte sem enxergar a paisagem maravilhosa que contemplo porque estou imaginando o avião que te trará pra mim surgir de trás dos morros. Acordo em aflição no meio da noite porque sonhei com a tua respiração na minha nuca e delirei que estivesses ali, ao alcance dos meus dedos. Eu nunca mensurei que me farias tanta falta...

4.2.13


"Despias-te, lenta, de teus brocados e de tuas pérolas fingidas; porque ser lentidão era o que mais sabias. E vinhas pisando leve, porque naquela época também querias aprender levezas. Vinhas grave, musical, te demorando às voltas dos detalhes de que mais gostavas, para que teu ventre fosse teu ventre e a cadeira de seda e teus ombros fossem teus ombros sob a luz da luminária. Indefinida, silhueta, preenchias todos os espaços com as tuas medidas. E, quando já ocupavas o quarto inteiro, vinhas me invadindo por dentro também, me tomando com teus imensos olhos castanhos, mais noturnos que aquela mesma noite, mais mudos que o nosso não-falar. Chegavas perto, quase, e me tocavas com teus dedos longos e afinados, como um grito. E ali, mesmo ali, nosso encontro já parecia uma lembrança, uma fotografia sem cor na qual eu te olhava e tu me tocavas.
Tocavas-me, buscando-me em matéria.
Olhava-te, tentando te buscar na alma, misturar-me à tua tristeza solene, como é toda a tristeza que habita em coisas grandes.
Eras tão literária, não percebias? Compunhas cenas etéreas, eras um capítulo atrás do outro de um imenso livro que eu jamais deixaria de amar. Eu queria decifrar-te, miúda, debruçar –me até sobre tuas notas de rodapé; enquanto tu, pueril, te despias e vinhas e me tocavas e só."

E não vai acabar.

23.1.13

"acho que eu não tenho mais nada pra falar com você." ao fim de tudo, apesar de tudo, é assim que as coisas acabam? não se salva nem mesmo a consideração, o respeito? não sei onde eu errei. me perdi no fim, é verdade, mas talvez por ter amado. - tomara. - porque se amar não justificar tudo isso, só me resta a confirmação de que eu fui, mesmo, desde o início, uma péssima pessoa.

- escrito por eloise, mas podia ter sido eu

21.11.12



nós mergulhamos num lago calmo de água turva e nos desesperamos quando percebemos que não dava pé. nós desaprendemos a nadar e agora estamos nos debatendo, lutando pra permanecermos vivos por mais alguns minutos, ninguém vem em nosso socorro. eu vou me afogar na água turva do lago calmo dos nossos amores. eu morri molhada com a água turva do lago calmo dos nossos amores.

17.11.12

seu nome

se eu tivesse um bar ele teria o seu nome
se eu tivesse um barco ele teria o seu nome
se eu comprasse uma égua daria a ela o seu nome
minha cadela imaginária tem o seu nome
se eu enlouquecer passarei as tardes repetindo o seu nome
se eu morrer velhinho, no suspiro final balbuciarei o seu nome
se eu for assassinado com a boca cheia de sangue gritarei o seu nome
se encontrarem meu corpo boiando no mar no meu bolso haverá um bilhete com o seu nome
se eu me suicidar ao puxar o gatilho pensarei no seu nome
a primeira garota que beijei tinha o seu nome
na sétima série eu tinha duas amigas com o seu nome
antes de você tive três namoradas com o seu nome
na rua há mulheres que parecem ter o seu nome
na locadora que frequento tem uma moça com o seu nome
às vezes as nuvens quase formam o seu nome
olhando as estrelas é sempre possível desenhar o seu nome
o último verso do famoso poema de Éluard poderia muito bem ser o seu nome
Apollinaire escreveu poemas a Lou porque na loucura da guerra não conseguia lembrar o seu nome
não entendo por que Chico Buarque não compôs uma música para o seu nome
se eu fosse um travesti usaria o seu nome
se um dia eu mudar de sexo adotarei o seu nome
minha mãe me contou que se eu tivesse nascido menina teria o seu nome
se eu tiver uma filha ela terá o seu nome
minha senha do e-mail já foi o seu nome
minha senha do banco é uma variação do seu nome
tenho pena dos seus filhos porque em geral dizem “mãe” em vez do seu nome
tenho pena dos seus pais porque em geral dizem “filha” em vez do seu nome
tenho muita pena dos seus ex-maridos porque associam o termo ex-mulher ao seu nome
tenho inveja do oficial de registro que datilografou pela primeira vez o seu nome
quando fico bêbado falo muito o seu nome
quando estou sóbrio me controlo para não falar demais o seu nome
é difícil falar de você sem mencionar o seu nome
uma vez sonhei que tudo no mundo tinha o seu nome
coelho tinha o seu nome
xícara tinha o seu nome
teleférico tinha o seu nome
no índice onomástico da minha biografia haverá milhares de ocorrências do seu nome
na foto de Korda para onde olha o Che senão para o infinito do seu nome?
algumas professoras da USP seriam menos amargas se tivessem o seu nome
detesto trabalho porque me impede de me concentrar no seu nome
cabala é uma palavra linda, mas não chega aos pés do seu nome
no cabo da minha bengala gravarei o seu nome
não posso ser niilista enquanto existir o seu nome
não posso ser anarquista se isso implicar a degradação do seu nome
não posso ser comunista se tiver que compartilhar o seu nome
não posso ser fascista se não quero impor a outros o seu nome
não posso ser capitalista se não desejo nada além do seu nome
quando saí da casa dos meus pais fui atrás do seu nome
morei três anos num bairro que tinha o seu nome
espero nunca deixar de te amar para não esquecer o seu nome
espero que você nunca me deixe para eu não ser obrigado a esquecer o seu nome
espero nunca te odiar para não ter que odiar o seu nome
espero que você nunca me odeie para eu não ficar arrasado ao ouvir o seu nome
a literatura não me interessa tanto quanto o seu nome
quando a poesia é boa é como o seu nome
quando a poesia é ruim tem algo do seu nome
estou cansado da vida, mas isso não tem nada a ver com o seu nome
estou escrevendo o quinquagésimo oitavo verso sobre o seu nome
talvez eu não seja um poeta a altura do seu nome
por via das dúvidas vou acabar o poema sem dizer explicitamente o seu nome.
 


Fabrício Corsaleti, Esquimó