"Despias-te, lenta, de teus brocados e de tuas pérolas fingidas; porque ser lentidão era o que mais sabias. E vinhas pisando leve, porque naquela época também querias aprender levezas. Vinhas grave, musical, te demorando às voltas dos detalhes de que mais gostavas, para que teu ventre fosse teu ventre e a cadeira de seda e teus ombros fossem teus ombros sob a luz da luminária. Indefinida, silhueta, preenchias todos os espaços com as tuas medidas. E, quando já ocupavas o quarto inteiro, vinhas me invadindo por dentro também, me tomando com teus imensos olhos castanhos, mais noturnos que aquela mesma noite, mais mudos que o nosso não-falar. Chegavas perto, quase, e me tocavas com teus dedos longos e afinados, como um grito. E ali, mesmo ali, nosso encontro já parecia uma lembrança, uma fotografia sem cor na qual eu te olhava e tu me tocavas.
Tocavas-me, buscando-me em matéria.
Olhava-te, tentando te buscar na alma, misturar-me à tua tristeza solene, como é toda a tristeza que habita em coisas grandes.
Eras tão literária, não percebias? Compunhas cenas etéreas, eras um capítulo atrás do outro de um imenso livro que eu jamais deixaria de amar. Eu queria decifrar-te, miúda, debruçar –me até sobre tuas notas de rodapé; enquanto tu, pueril, te despias e vinhas e me tocavas e só."
E não vai acabar.
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