"E haveria maior violência do que entrar no corpo do outro, um punhal, uma bala, qualquer instrumento que
penetra no corpo do outro, qualquer flecha, qualquer
órgão. Como é possível entrar no corpo do outro, assim, impunemente. Introduzir qualquer órgão no corpo de outra pessoa não será uma forma de
extinção? E, depois de ter estado no corpo de outra pessoa, envolto nos tecidos mais ocultos, mais secretos do corpo de outra pessoa e sair coberto de odores e mucos e umidades,
coberto da mais absoluta intimidade, como é possível sair assim incólume, livre, e simplesmente virar de lado e fechar os olhos e dormir, como se não houvesse acontecido nada, essa violência extrema, como é possível no dia seguinte acordar, vestir-se e sair, eu te pergunto. Como é possível sair enquanto o outro permanece ali deitado, na mesa de cirurgia, na cama, no altar, o outro ali, imóvel,
exposto,
devassado. O outro com suas marcas e suas manchas e suas dores, a violência e o amor e o
prazer da violência e do amor para sempre gravados, o outro com seu corpo escancarado, e a janela, e o sol e a luz da manhã, enquanto, lá fora, as pessoas comprando o jornal e as crianças de uniforme e todo esse desdobramento."
Flores azuis,
Carola Saavedra
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